Ela entrou nas nossas vidas em uma terça ou quarta feira de fevereiro, e não me lembro se fazia sol ou chovia, não me lembro o que fiz direito naquele dia ou nenhuma outra coisa do tipo. Mas ela estava lá, e foi marcante. Entrou na sala onde trinta adolescentes faziam uma bagunça daquelas de deixar qualquer um de cabelo em pé, e demorou vários minutos para conseguir seus poucos minutos da nossa atenção.
Foi assim que Dona Lígia entrou na nossa vida. Uma senhora baixinha, porém forte; expressão calma, e olhos que demonstravam tanta energia quanto qualquer outro de nós. Ela, mais perto dos oitenta que dos sessenta - ou pelo menos aparentava - tinha um brilho no olhar que naquela época eu não compreendia.
Toda a semana nós passávamos cerca de duas horas com ela. Pouco tempo, mas que mudaria mais em nós do que seríamos capazes de perceber. Era despretensiosa, e muitos de nós nem percebiam o que estava acontecendo. Achavávamos que quando ela mandava que nós fizéssemos círculos pra conversar era simplesmente pra não termos aula e ficar ali gastando tempo. Mas ela passava mais de Filosofia pras nossas mentes do que qualquer outro professor seria capaz.
Em todas as aulas elas nos pegava com as histórias mais inusitadas. Como seus netos tinham lançado livros antes mesmo de saberem escrever, como havia sido sua graduação em direito, letras, filosofia e todas as outras; como havia aprendido a tocar violão... E envolvia a todos nós. E então pegava a apostila e, como se o material não fizesse o menor sentido, dava uma risada e pedia para que lêssemos algum artigo estranho o qual nenhum de nós entendia mais de duas linhas.
Nos dias de prova ela fingia ser séria. Não era mais a senhorinha que trazia o violão pra tocar Chico Buarque durante nossas aulas ou que recitava os poemas de Vinícius de Moraes, pelo menos tentava não ser. E quando desconfiava que estávamos fazendo algo errado perguntava se estávamos colando, como uma avó que pergunta aos netos se eles comeram aquele pacote de biscoitos que ela havia deixado sobre a mesa da cozinha.
Ela ensinou para cada um de nós muito mais que simplesmente o Mito da Caverna de Platão - o qual ela nos obrigou a ler umas oito vezes num período de dois anos. Ela nos ensinou a nos expressar do modo em que nos sentíssemos mais à vontade. Ela nos ensinou um bom tanto de ética e outro tão grande quanto de perseverança.
O brilho nos olhos dela? Sabedoria. A sabedoria que só alguém perto dos oitenta anos que entra numa sala com trinta adolescentes estúpidos e egoístas poderia ter. Ela estava ali pra ensinar, mesmo sabendo que poucos de nós realmente aprenderiam algo, e menos ainda dariam algum valor. Eu não dei valor. Provavelmente nenhum de nós deu, nenhum de nós enxergou. Mas ontem, pensando nisso, percebi que conheci nessa vida poucas pessoas tão imensamente extraordinárias quanto Dona Lígia.
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Singela homenagem a uma mulher incrível que provavelmente jamais lerá, rs :)
Bateu aquela saudadezinha dos tempos de Ensino Médio ontem, lembrando com o João e as meninas das aulas da Dona Lígia... E me inspirei! Ela foi realmente uma das pessoas mais inteligentes que eu já conheci.
Beijos prazamiga!
vi ela enquanto trabalhava na feira do livro, ela me reconheceu^^
ResponderExcluire como vc esqueceu de comentar a história do gambá? xD
brinqs, não cabia no conteúdo do texto, q aliás ela deveria ler, mas COMOFAS?
saudades daquele tempo tmbm!
'Ela ensinou para cada um de nós muito mais que simplesmente o Mito da Caverna de Platão - o qual ela nos obrigou a ler umas oito vezes num período de dois anos.'
ResponderExcluirMinha professora fala disso todos os dias há 5 anos. Acho que ela só estudou isso pra se formar ¬¬
Enfim, que graça *-* Deu até vontade de conhecer a Dona Ligia, adoro professores que são professores de verdade *-*
pois é Léo e geralmente não reconhecemos de cara esses 'professores de verdade' q foi o caso da Dona Ligia n_n
ResponderExcluirLigionaaa era fodá! mulher sábia! falava umas 8277263 linguas! voce esqueceu desssa! hahahaha
ResponderExcluirverdade, ela era poliglota ainda DASOHIADSO
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