terça-feira, 21 de agosto de 2018

; minha, sua, dela


Sentei no canto da toalha que havíamos esticado, cruzei as pernas e estendi a coluna, inspirando profundamente. Sentia o cheiro forte da essência doce que os meninos usavam ao lado, o cheiro de canela se misturando com o sal da maresia e o cheiro do mar.
A noite estava calma, e o mar também. Uma música qualquer daquelas que não costumo gostar tocava na caixa de som, mas no meu fone de ouvido tocava uma das nossas. Daquelas, nossas.
Meu olhar se perdeu no vai e vem das ondas, e naquela sensação engraçada que deixam as bochechas estranhas, de salpico de água que pega a gente quando nos sentamos por ali.
Me lembrei da gente num lugar como aquele, num dia em que não havia mais ninguém. Eu fiquei na água e você mais distante, o olhar em mim e um sorriso no rosto que eu nunca poderia deixar de retribuir. O tempo estava fechado e ventava muito, mas nenhuma de nós ligava pra isso, ou pra qualquer outra coisa além de nós mesmas.
Meu olhar se perdeu no céu. As estrelas estavam lá, não muitas, mas estavam. Nossas estrelas. Brilhando na imensidão calma que sempre fez a gente divagar. 
E então, subitamente, eu me dei conta de sua presença – pálida, refletindo a imensidão escura e inquieta logo abaixo dela. Estava quase cheia, e não tinha uma nuvem sequer por ali, bem diferente daquele dia longínquo que antes eu me lembrava.
E da mesma forma súbita em que a percebi, percebi também que aquilo, tudo aquilo, nunca mais seria nosso. Era meu, e só meu – e era seu e dela.
O mar era dela, a areia fazendo cócegas nos pés era dela. De vocês.
As músicas na beira do mar eram dela. De vocês.
A praia era dela. De vocês.
A lua era dela. De vocês.
A paz era sua – e dela. De vocês.
E como algum dia eu poderia me sentir em paz ali, de novo?
E as nossas estrelas pareceram absolutamente insignificantes, e não mais nossas, mas só minhas. Minhas, mas sem sentido de ser.
Um soluço escapou, e nunca vou saber se foi meu ou das ondas, que chegaram à mesma conclusão.


(e a sensação de que algo me foi roubado parece que nunca vai passar)

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